Entenda como dados clínicos e administrativos podem otimizar serviços assistenciais e gestão de recursos na área da saúde
Publicada recentemente na revista científica Critical Care Medicine, uma revisão liderada pelo Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) lançou luz sobre a importância dos registros de qualidade clínica (RQCs) para a área da saúde. Também conhecidos como registros médicos eletrônicos, os RQCs são sistemas de coleta e armazenamento de informações de saúde relacionadas a pacientes e seus tratamentos. A publicação, que também contou com a colaboração de instituições em outros 15 países, mostra como a coleta qualificada de informações clínicas e administrativas tem sido relevante para a otimização de cuidados assistenciais e melhor gerenciamento de unidades de saúde.
Dados de UTIs para mapas epidemiológicos e pesquisas científicas
Além de serem um recurso inestimável para a otimização do atendimento em saúde, os RQCs também são uma base valiosa para o desenvolvimento de pesquisas. A união de registros coletados em diferentes unidades de saúde de diferentes estados e países se torna um grande mapa epidemiológico, permitindo um melhor entendimento de regiões vulneráveis a determinadas doenças, ou até mesmo o destaque de protocolos de tratamento que estão surtindo mais efeito que outros.
Há mais de três décadas, registros nacionais de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) vêm sendo coletados por países de todo o mundo com o objetivo de aprimorar os resultados e o uso de recursos nessas unidades de atendimento ao paciente crítico. No Brasil, o projeto UTIs Brasileiras, liderado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), conta com uma base de dados de mais de 4 milhões de internações em UTIs.
“Os chamados ‘registros de UTIs’ são fontes ricas para entendermos a variedade de doenças dentro das UTIs, permitindo a caracterização da população de pacientes críticos. Além disso, essas informações também permitem uma melhor gestão dos recursos utilizados e melhoria da qualidade assistencial “, comenta uma das autoras da revisão, Dra. Amanda Quintairos, que é doutoranda do IDOR, gestora e médica intensivista do Hospital Porto Dias, em Belém, e coordenadora do registro Nacional de UTIs Colombianas.
A revisão confirma o papel desses registros no fornecimento de dados demográficos de pacientes, variáveis e indicadores de resultados de UTIs. Os RQCs de UTI oferecem informações sobre tendências dos agentes infecciosos, taxas de mortalidade, dados do mundo real e o impacto de diferentes intervenções hospitalares em desfechos clínicos. Com essas informações também é possível compreender melhor a cadeia de processos e resultados secundários ao tratamento de doenças importantes que acometem os pacientes críticos, como sepse, síndrome do desconforto respiratório agudo, pneumonias, acidente vascular cerebral isquêmico e infarto agudo do miocárdio.
“Se pegarmos como exemplo a vacinação contra a covid-19, em outro estudo que desenvolvemos, esses registros foram capazes de demonstrar a eficácia da campanha de imunização através da redução da curva de mortalidade dos pacientes. Também tínhamos outros dados que reiteravam isso, como diminuição de pacientes que necessitaram de ventilação mecânica”, ilustra a intensivista, acrescentando que esses dados facilitam também as pesquisas clínicas, pois já oferecem aos pesquisadores arquivos com detalhamento de grupos de risco, mortalidade e incidência de muitas doenças, facilitando o recrutamento de pacientes.
Comparando UTIs de todo o mundo
A publicação evidencia que o uso de RQCs também é muito importante para estratégias de benchmarking entre os diversos centros clínicos e hospitalares. Segundo a Dra. Quintairos, na área da saúde essa comparação é relevante, não por um ponto de vista competitivo, mas pela possibilidade de otimização e gestão de recursos das unidades.
“Quando não comparamos um serviço com outros da mesma área, corremos o risco de cometer dois erros. O primeiro deles é achar que estamos prestando um ótimo serviço, quando na verdade temos muitas oportunidades de melhoria. E o segundo erro é o contrário, quando não temos consciência de estar prestando um atendimento de excelência, o que nos impede de reforçar estratégias que estão dando ótimos resultados e enxergar nossas fortalezas”, acrescenta a pesquisadora.
Outro ponto ressaltado por Quintairos é que a utilização de dados na gestão do atendimento médico cede menos espaço para suposições, oferecendo aos profissionais informações mais precisas sobre perfis epidemiológicos e qualidade dos serviços prestados, seja no setor público ou privado, ou em diferentes regiões. Esses dados podem ser analisados por diferentes métricas de desempenho, através de escores, taxas de mortalidade, qualidade do atendimento, entre muitas outras.
Desafios e Oportunidades dos RQCs
Apesar de toda a sua utilidade e relevância para a assistência e as pesquisas na área de saúde, os RQCs ainda enfrentam desafios consideráveis quanto à sustentabilidade, financiamento, governança de dados, segurança e garantia de qualidade, bem como a transparência no compartilhamento dessas informações.
Para superar esses desafios, esforços conjuntos são fundamentais em toda comunidade científica, e muitos protocolos internacionais já foram criados para a captação adequada dessas informações. Em países em desenvolvimento, iniciativas importantes também estão ocorrendo para a padronização de indicadores de qualidade em UTIs, o que fomenta a possibilidade de entender intervenções eficazes e dados comparativos da saúde de forma mais globalizada.
“No Brasil, ainda temos um desafio de cultura organizacional. As instituições caminham para adquirir essa maturidade na coleta de dados e adotar um planejamento estratégico centrado nessas informações. Mas ainda vemos gestões que são baseadas em intuição e experiência dos médicos. Precisamos difundir cada vez mais a gestão baseada em dados”, complementa a pesquisadora.
Mesmo com seus desafios de captação, os RQCs já apresentam uma revolução no atendimento e na pesquisa em saúde. O grande volume de dados é ainda um prato cheio para a implementação de algoritmos de inteligência artificial (IA), oportunidade que o IDOR já explora em diversos outros estudos através de machine learning e processamento de linguagem natural (NLP, da sigla em inglês).
A atual revisão traz visibilidade para o crescente papel dos RQCs na modernização e aprimoramento dos sistemas de saúde, fornecendo meios eficazes de coleta, armazenamento e compartilhamento de informações médicas. A grande base de dados oferecida por esses registros tem ainda um grande potencial transformador na área assistencial, trazendo melhorias na qualidade e na segurança do atendimento médico, e oferecendo aos pacientes os benefícios de uma assistência mais eficiente e baseada em evidências.
Escrito por Maria Eduarda Ledo de Abreu.